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Ao acordar, José coloca a máscara da boa disposição e esboça um sorriso manufacturado por uma fábrica qualquer. Vê-se ao espelho com a máscara da vaidade, vendo no vidro uma pessoa que José não é. No trânsito põe a máscara da irritação e da vida chata que leva. Aponta o dedo do meio a cada distância de segurança até chegar ao destino. Na empresa, mascara-se de funcionário do mês, do ano, do século. Dentro desta figuram as sub-máscaras de competência, de inteligência e de charmoso com a menina dos telefones. Sai atarefado do ganha-pão, passa no colégio, enverga a máscara de pai, de educador, de responsável por duas crianças no planeta e ouve com atenção a directora e os problemas dos petizes. Para os miúdos, as máscaras são fantasia, são Carnaval, são papelinhos e farinha nas campainhas. Ao chegar a casa, José partilha várias máscaras. Com a de pai sempre presente numa parte da face, a de marido é cada vez mais uma miragem que o terapeuta o obriga, a de cozinheiro continua uma aprendizagem nada fácil de concretizar e a de homem perfeito um feito inalcançável.
Ao longo do tempo, Seymour cometeu erros, falhou objectivos e meteu várias vezes o corpo na poça. Arrependimento muito. Aprendizagem igualmente. Não se apaga, fica. Mas fica também a lição do que não fazer nem sentir. Seymour aprendeu a amar Amanda, assim como ela também se adaptou ao companheiro. Quando Seymour fazia sofrer Amanda teimava em não compreender as razões da angustia. Amanda reclamava, ripostava, não comia e calava. Seymour aprendeu, aprende e não sabe se continuará a ser ensinado por Amanda.
É a vez de Seymour sofrer. Angustiar. Apertar o coração e suar. Não saber o dia de amanhã, nem o dia corrente. Onde está Amanda, pergunta quem lê os pensamentos de Seymour. Não sabe responder. Espera conseguir uma afirmação de interesses. Não sabe o futuro, nem o futuro sabe o que dizer.
A história ficará por aqui. O fantástico onde viviam os dois desmoronou-se. Resta a queda livre. Só há um pára quedas. O agrupamento dos dois na salvação é a solução. Deixemos a mente brilhar e conceber um final.
Seymour e Amanda
20/12/2334
Na janela aberta do quarto de Seymour, a brisa suave aconselha ao aconchego de um casaco confortável. Com o vento, o hit de Lura soa com toda a elegância. A quando o apocalipse no século XXII, todas as músicas do mundo foram extintas, ficando apenas o Na ri na de Lura que nesse momento estava em órbita de esquecimento. Foi através do agitar de corpos causado pela transmissão da música que o mundo acalmou, e triunfou perante as forças malignas. A música pede calor, pede vibração, pede energia. Enquanto não se sabe o paradeiro de Amanda, Seymour continua a registar as suas memórias, o seu presente, o seu futuro. Recorda nas variadas visitas à reunião dos animais na capital do país onde viviam, a mistica que aquele lugar trazia. O teleférico que transportava os dois procurando dar o primeiro passo na linha ténue entre a aceitação do beijo e o estalo de abuso. Das vezes seguintes, a insistência na assistência dos mamíferos do mar, sempre por tease puro. A longa espera junto ao gradeamento verde chato para ver o rei das formigas. Era, É O nosso espaço. Não havia outro igual. Seymour tem uma clara indicação para esta escolha. Por um lado o prólogo da relação foi ali, e por outro no Jardim Zoológico, a única coisa que não distingue os animais dos humanos é o amor. A paixão e o respeito de um animal perante a sua fêmea é igual e muitas vezes mais genuíno que o dos humanos. Seymour e Amanda funcionam por estímulos e por tensões. Seymour recua agora até aos inúmeros jogos de futebol que acompanhava com Amanda, libertando os nervos e o frio a cada golo, com um beijo agarrado. Agarrado de união e de clara dependência. Ao longo desses tempos, a prateleira do quarto de Seymour acumulava ofertas simbólicas e criativas de Amanda. Seymour sentia-se bem por dormir no mesmo espaço daqueles objectos. Funcionava como um depósito de amor a prazo, com juros altos, sem possibilidade de tocar no montante envolvido até ao momento especial. Seymour sonha como esse momento.
Seymour enche mais um balão, substituindo o que rebentou. A casa de Seymour e de Amanda é sustentada por hélio e viaja conforme as vontades do vento. Com a instabilidade, Seymour troca a moldura de Amanda de quatro em quatro dias, expirando para o vidro e passando a mão com ternura. Amanda cara Amanda, demoras muito? A viagem continuará. Amanhã.
Sey(a)mour e Ama(n)da
19/12/2334
Não é por acaso que todos os doutores amores não passam de pequenas brincadeiras. Uma depressão, uma perda ou um trauma, são tudo matérias de uma coisa antiga chamada psicologo. Seymour recorda os tempos em que a medicina rudimentar aclamava os aleluias que salvavam os mortais. Agora, felizmente, é área de excelência o médico do amor, como dizem as crianças. Seymour volta a sentar-se na cadeira e continua a carta. Passa pelo primeiro Natal com Amanda e como a paixão entre os dois era energicamente vivida como se tudo fosse acabar passado uns minutos. Um réptil invade a casa de Seymour com o espanto claro na cara do apaixonado. Tem saudades de não saber o que dizer. Uma coisa Seymour nunca retirou da consciência. A sorte de ter Amanda ao seu lado é obra de alguma coisa. Continua a achar-se um sortudo. Fixa os olhos pálidos no porta-canetas e pensa como às vezes não sabe o que fazer, o que dizer, o que pensar para arrancar alguma coisa de Amanda. Um sorriso, um beijo ou um uma frase sincera faz o dia de Seymour. Uma flor deve ser tratada com luz, água e carinho. Quando chega a Primavera, queremos vê-la alegre a dar o melhor de si retribuindo as palavras que dispendemos com sinceridade. A etapa da descoberta na relação de Seymour e Amanda foi longa e proveitosa. Duas pessoas viverem em comunhão de corpos, de sentimentos e de quotidiano tem tanto de fácil como de difícil. A aprendizagem é mutua. Com dores sim. Com feridas sim. Com tensões sim. Mas com febre nos olhos sempre que um banho gelava os pensamentos de Seymour.
Setembro. Apesar do calor que se fazia sentir, Seymour tremia como varas de todas as cores possíveis no arco-iris. As primeiras vezes de qualquer coisa deixam sempre qualquer ser vivo com um sentimento de receio e de desconhecimento. Foi assim que Afonso Henriques bateu na mãe, Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa Esperança e Martim da Fonseca restaurou a camada do ozono no século XXII. Com medo. A Seymour acontecia o mesmo. Combinou com Amanda um encontro discreto atrás de uns edifícios sem alma e rapidamente os prédios ganharam vida. Coscuvilharam durante um mês o que se tinha ali passado. O Bloco C sussurrava com o Bloco A o que tinha visto e a maneira como num beijo meio atabalhoado fez parar o vento que abanava a palmeira. Saia Dali um Salvador que agradecia às pedras da calçada, ao senhor da papelaria e à passadeira apagada do centro o que lhe tinha acontecido. Seymour recorda o final daquela noite. Na casa de Charlie a ver as capas dos desportivos às 3h da madrugada e com um sorriso impossível de esconder. Seymour mostra os dentes ao espelho e nota que o aparelho que na altura usava com algum desconforto fez milagres. Depois do papa formigas, outro bicho aparecia como talismã que acompanhou Seymour e Amanda até ao século que vivem hoje. Desde peluches, bonecos e até cartazes, os Smurfs assistem a um bailado sem dança entre um homem que tem um coração protegido pelo um colete esburacado e uma mulher dura que transporta a sensibilidade além fronteiras. A relação assumida dos dois era tabu para a opinião publica como se duas figuras publicas se tratassem. Amanda não namorava Fernando Pessoa, mas tinha agora o seu nininho.
Passava o novo single dos Foo Fighters incendiando as rádios como as matas ardem em Agosto. Seymour puxa a bobine atrás, não troca as fitas da cassete e estrutura no pensamento o sentimento concreto. Férias de Verão. Seymour usava as férias com amigos para ler jornais e meter nojo aos outros jovens irreverentes que só viam um propósito nas férias à beira mar plantado: loucura. No fundo, Seymour elevou o erro a património imaterial da humanidade com sentimentos deturpados e coçando com algum vigor a imaturidade da idade que se vivia. Ao mesmo tempo, Amanda figurava neste grupo de amigos e Seymour não a via de tão perto que estava. Ao isolar o momento, Seymour sorri. Fez figura de mulher na menopausa à procura do comando que se encontra numa das mãos. Subestimação, concretiza ele com um aceno de cabeça. Amanda era areia, água, brita e granito a mais para o tuk tuk de Seymour. Com o fim das férias, algo mudou. O bichinho continuava aqui. Os convites surgiram. Charlie, companheiro de Seymour fez a ligação directa e o veiculo arrancou. Seymour olha para o tecto e recorda os jogos de futebol jogados naquele quarto com saudade. Quer voltar a ver Charlie. Uma coisa Seymour teve a certeza. Os seus hambúrgueres não conquistaram Amanda. Fazia o possível e as sardas de Amanda explicitavam o que era realmente importante ali. Seymour levanta-se, dobra os joelhos com a facilidade de um jogador de snooker e retira um desenho. Os olhos brilham. "Golfinha". Amanda conquistou Seymour como uma formiga é elegantemente digerida pelo papa-formigas.
Seymour e Amanda têm os dois um sinal em comum. Sempre que se lembra disso, Seymour aponta para uma estrela e oferece-a a Amanda, dando-lhe um nome inventado na hora. Por muitas estrelas que Amanda tenha no registo de propriedade, o abençoado sinal continua intacto em cada membro do casal. Seymour e Amanda namoram, partilham e concretizam, sem nunca pensarem se a ordem destes verbos pode ser invertida. Seymour tem uma vida humilde, de baixas raízes, tem aversão a carrinhos de mão e treme quando junta o medo e o frio num minuto. Apesar dos seus defeitos gritantes, tem uma confiança satisfatória nas suas acções assim como alimenta a sua confiança em Amanda dia após dia. Tranquilo, calmo, modera os sentimentos para poder digeri-los na espuma do tempo. Amanda por seu lado é verdadeira, odeia lençóis polares e escreve pão com manteiga com letras recortadas das revistas, qual assassino em série. Seymour e Amanda costumam combinar as mãos que dão e acertar o passo quando vagueiam pelas ruas da cidade. S e A não têm a letra bordada a ponto cruz no seu quarto porque lhes falta o mesmo. Amanda e Seymour têm medo de coisas diferentes, atravessam fases diferentes mas o que os unes continua igual. Ultrapassado o problema da mortalidade que assolava há anos os casais apaixonados, Seymour, no 324º aniversário de namoro, visita Amanda numa das suas estrelas recentemente oferecida pelo rapaz. Nunca pensou reencontrar a sua paixão num espaço sem fundo, onde nunca esteve nem pensou chegar lá. Após este encontro, Seymour sente algo que nunca sentiu. Uma sede complicada de saciar, um aperto complicado na hora da despedida e o resto da cara ou do coração deixada na pista de aterragem.
Seymour nunca escreveu uma carta dedicada a Amanda. O falhanço de expectativas ou a dificuldade de verbalizar as acções eram as desculpas reais do tal não acontecimento. Seymour senta-se no móvel antigo Bekant, comprado no velho IKEA, pega no laser e fecha aos olhos no momento em que a tinta escorre no papel. Limpa as lágrimas diluídas na cor azul e arranca. Serra os dentes e não olha para trás. A viagem continuará. Amanhã.
Sey(a)mour e Ama(n)da
15/12/2334
Corria o maravilhoso ano de 2002 quando Rodrigo Leão pegou em Lula Pena e compôs uma das músicas mais aplaudidas da sua alma. Passion. O trote entusiasmante fundamenta o tango em que o homem de bigode vestido a rigor alcança a perna da sua companheira num ambiente exclusivo dos executantes. A voz doce e riscada de Lula num espanhol perfeito com raízes portuguesas floreiam a audiência, deixando os mesmos hipnotizados. O homem não usa rosas, nem a mulher vestido vermelho. Ambos mordem cravos numa liberdade invejável. Carolina acorda. Como é hábito em todos os seus textos escritos matutinalmente um bem haja figura como saudação inicial. Continua. Querido tio, sei que estás longe. Não sei se existes ainda, fazes-me falta. O aconchego dos lençóis não é o mesmo quando estás por perto. A tua voz terna ecoa-me nos ouvidos sempre que o leite chega de manhã. Tio, tenho medo. Tenho medo da vida. Tenho medo dos tapetes de hall de entrada e do esparguete usado pela tia. Ela também tem saudades tuas, mas esta carta é minha. Já-lhe disse para te escrever um dia destes. Os dias são maiores no Verão. Onde estás há Verão? Sei que não vais responder. Vou estar à varanda na noite de amanhã. A tia diz que as tuas respostas chegam pelas estrelas. O tio ensinou-me a enfrentar os problemas do dia seguinte com as acções no dia de hoje. Não mudaste de ideias, pois não? Não precisas de comprar outra estrela. Para esta pergunta eu sei a resposta. Não sei o que quero ser nem o que quero fazer, tio. Mas uma coisa eu tenho a certeza. Quero ser como tu. O alvo de todos os pensamentos. Quero ser feliz.
Carolina calça as pantufas com cara de leão e corre para o alpendre. Toma tio, fiz te uma carta! O tio retira o chapéu delicadamente como se de uma missa se tratasse. Beija Carolina e agradece. Sorri.
O tio aquece com o sol. O Verão está intenso. Voltou a ter o mesmo sonho. A sua sobrinha não volta. Teve medo de viver.
Rui
"Isto Não é Sushi" É uma droga leve
Run. Snow Patrol aquecem as plateias e transformam a multidão numa comunhão de sentimentos. O choque de electrões com protões acelerando as partículas e mais coisas que a Física gosta de embrenhar em tuneis deve-se dar em qualquer espaço que Gary Lightbody ouse desfilar os acordes de "Fuga".
Em dia do pai é usual e tipico as declarações primárias de crianças com olhos brilhantes ao seu progenitor com mais pêlo, à excepção de França. Alberto. Nome de príncipe do Mónaco, chega à escolinha. Nestas idades há a tendência de denominar tudo por diminutivos, menos o nome do rebento. Os pais desfilaram no dicionário e concluirão que o seu filho ficará melhor em Albertão. "Meninos, hoje é dia do pai. Sendo assim, vão escrever uma carta ao pai". Xavier do alto do seu nariz pontiagudo e arisco interroga a professora. E quem tem dois, profexora? Dois, Xavier? Sim, o pai Pedro e o Pai Natal... A professora descongela como o peixe que deixou no microondas para o jantar e calmamente explicita a dúvida curiosa e engraçada do menino frigorifico. Alberto é o ultimo a terminar a sua redacção. "O pai é muito forte. Usa óculos e calças. Em casa cozinha e faz me a cama de manhã. Gosto muito do meu pai."
A professora, mãos atrás das costas, observando o recolher obrigatório dos "seus" meninos repara num pormaior não deixado ao acaso por Alberto. No cabeçalho seguido do nome da criança cidadã figura a seguinte introdução: "A professora ficou triste com o Xavier. Ele não pode ter dois pais. Eu tenho três e sou muito feliz. Na minha casa, o comando da televisão é dos dois e lavam a louça. São os dois do Benfica. O Pai Natal é o mais feio. Aparece poucas vezes e é gordo.
A professora Arminda pensa no pai nosso deixando a inversão num preconceito , evoca aos santinhos e volta a suar. Os poros não entopem com tradições. E o sal que despota da pele é o mais barato do mundo. À saida da escola, Alberto beija os seus pais, e grita bem alto: Feliz Dia dos Pais.
Rui
"Isto Não é Sushi" É igualdade
A evolução da música de James Blunt é relevante. Som cristalino, rock inglês, cavalo a trote, compassos dramáticos de fazer tremer qualquer ouvinte. James veste a pele de Keane incorporando "Heart" em todas as canções. Gostava de espreitar as canções destes séculos com base no órgão máximo do amor, de seu nome o elegante esófago. Carlos da Maia, não vive no Ramalhete. O seu avô compôs todo o seu testamento a norte do Douro. Passava alcunha a apelido como copos de três eram virados sem notável compreensão. Protegia os seus sucessores como os seus fantasmas assombravam o seio familiar. O olhar tremia a cada babete atirado pela janela. É apaixonado. Pela vida, pelas pessoas, pelo singular e pelo plural. Aceita as barragens como um estomâgo gigante que vai aguentando as vicissitudes da alma. A certa altura há que largar as águas inundando as povoações mais próximas evitando males maiores. Não repete o verbo aguentar duas vezes nem tira o chapéu dentro das igrejas. Primeiro porque não o tem, depois porque não entra em igrejas. Trauteia o hino da Alegria sempre que lava as mãos. Por tradição. A firmeza de um legado. Acredita que nada acontece por acaso. E acha inacreditável a inversão desta ultima palavra soar a uma província japonesa. Rainbow. Exclama sempre que sai de casa. Nunca mais esqueceu aquele aspirador sugador de potes de ouro.
Avança no verde, pára no vermelho. Conspira no amarelo. Um carro descapotável ou um jipe enlameado. Os veículos apitam num estridente eco silencioso. O pescoço perde força e a harmonia de uma vida ganha dureza para os próximos episódios. O ultimo semáforo foi o vermelho. Carlos resolveu a equação isolando a incógnita por breves instantes. Chegou para descobrir a solução.
Deixa num apontamento breve e sincero as palavras que ficaram por dizer. "Percebo tão bem a tua voz. Sabe a paraíso, cheira a prazer e sente-se a afirmação. A tua alma transmitida no olhar de quem a vê não figura na matemática. Nem no dicionário. A leveza do teu cabelo sobe os degraus da instituição sem tropeçar por um instante. Não estás livre nem há uma noite para passar. Os teus dias giram à volta da Terra, enforcando o Copérnico em dois suspiros. Num vidro embaciado pela humidade, o teu sopro desenha figuras animadas como se o Walt Disney fosse vivo e o rato do mesmo aparecesse insultando o tablier riscado das folhas de eucalipto.
Rui
"Isto Não é Sushi" É o trânsito proibido
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